terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Não Moçambique!

Esse deve ser um dos últimos textos escritos em Moçambique. A decisão de voltar para o Brasil já foi tomada há alguns dias e essa etapa está perto de terminar, mais precisamente na primeira semana de fevereiro. O período que vivi aqui me ensinou muitas coisas; a mais importante foi dizer "não".
Sempre tive uma grande dificuldade em pronunciar o "não". Era sinônimo de negar algo, baixo astral... Preferia sempre o "sim", positivo, pra cima , um "sim" com toda vontade de ajudar e ser prestativo com o próximo. Mas o "sim" tem uma grande responsabilidade, uma vez que você diz, tem a obrigação de fazer e nem sempre é possível, por mais que você queira muito. E aí vêm as decepções. Aqui comecei dizendo "sim" pra tudo, a começar pelos muitos e insistentes vendedores de rua
- Compra lá essa pulseira, amigo brasileiro.
- Não, obrigado.
- Compra lá pra me ajudar.
- Não uso pulseiras e minha namorada está longe.
- Estou a pedir, estou com fome, não comi hoje, compra só pra me ajudar.
- Ta bom, eu compro pra te ajudar.
Lá estava o "sim" novamente ganhando do "não".
Mas esse discurso dos vendedores aqui é tão comum que um dia no Mercado do Peixe eu me rebelei, já tinha um monte de artesanatos sem utilidade e a conta com uma baixa não programada.
- Compra lá, amigo brasileiro, só pra ajudar.
- Não, obrigado!
- Estou a pedir, estou com fome, não comi hoje, compra só pra me ajudar.
- Não!
- Comp...
- Não, não e não!
Ele foi embora e vários outros vieram escutar e a mesma resposta. Já não doía, não me sentia mal por não atender, o "não" me fazia bem, era um "sim" pra mim e um "não" pra o que eu não queria, mas sem peso na consciência.

Aprendi que não podemos mudar o mundo e que todas as mazelas que ele carrega não são exclusivamente nossa responsabilidade. Temos sim o dever de ajudar, mas quando isso não atrapalha a nós mesmos.
Comecei a exercitar o "não". O primeiro grande "não" vai para Moçambique, e não é um "não" com um tom negativo (doido isso) é um "sim" pro meu coração, pro novo caminho que eu escolhi. E, confesso, estou em paz com o meu "não".
Obrigado Moçambique pela grande lição.

3 comentários:

  1. Olá Alexandre,

    Não aposto que conheço o motivo deste não a Moçambique por até me sentiria mal de ganhar com tanta facilidade. Mas dou-lhe os parabéns por correr atrás dos seus sonhos — como ter experimentado ir viver uma temporada na África (já viu, eu a escrever em português do Brasil?...), ou agora ir para onde o seu coração manda. Na vida, há muitos momentos em que temos de ter a coragem de dizer não, mas também sim. Não sei se é uma "maldição" comum a quem tem este nome, mas o que me encantou ainda mais neste texto foi o desabafo sobre a resistência a dizer não. Concordo consigo, também a mim me custa imenso dizer que não. E como sempre acabo por dizer que sim, são tantas, tantas as vezes que acaba sobrando para mim que eu já devia ter aprendido; até porque são muitos anos (conto 45...) a dizer sim, quando devia ter dito não.
    Mas, com o tempo e, sobretudo, a experiência, aprendi que o não também pode ser "geográfico". De certo modo, o Alexandre também aprendeu isso, mesmo que não tenha chegado a esta conclusão. Quando referiu que já entendeu que não é como seu esforço que vai salvar o mundo, eu não tenho dúvidas em como o Alexandre é perfeitamente capaz de se empenhar para dar um contributo a algo que esteja mal e que mereça ajuda, especialmente se essa ajuda puder fazer alguma diferença. Mas já descobriu que não é alimentando o choradinho de quem anda sempre a perseguir os estrangeiros, aí mesmo, onde voçê está, ou em tantos outros lugares pelo mundo fora. Só para terminar, conto-lhe uma história, ocorrida comigo em Janeiro de 1992, aí bem perto, do outro lado da África Austral, no sul de Angola. Estava de regresso de uma reportagem muito longa quando fiquei sozinho na cidade de Namibe, à espera de um voo que só vinha dois dias e meio depois. O aeroporto local nessa altura só abria quando era dia de avião e não tinha a menor estrutura de apoio, como lanchonete, água nas torneiras do banheiro (continuo em português do Brasil...), mas eu não sabia e, para além disso, confiava que tinha o mais importante: dinheiro no bolso. Por isso, quando fiquei rodeado de crianças aparentemente famintas, deliciei-me a dar-lhes tudo o que tinha para comer e para beber. Assim que terminou o estoque, desapareceram logo. E só então percebi que não matei a fome a nenhum deles, nem sequer a sede, pelo que sofri desnecessariamente com fome e sede, pois o aeroporto é isolado da cidade (nessa altura ficava uns 12 km para lá do perímetro urbano — que entretanto se expandiu — já em pleno deserto de Namibe) e eu não tinha como sair dali a pé carregado de bagagem e equipamento. Quando pude voltar a fazer uma refeição e a beber, já levava quase três dias de duro jejum. Foi duro, mas aprendi que, por muito que nos custe, há situações em que devemos dizer não firmemente e não podemos achar que isso é estarmos a ser egoístas, nem tão pouco, claro, castigarmo-nos por pensar que sim.

    Grande abraço,

    Alexandre Correia

    PS - E já percebi que aquela ideia de ir beber uma Laurentina consigo lá no mercado do peixe em Maputo não será mais possível. Quem sabe se no Brasil? Não sei onde o Alexandre vive, mas é bem capaz de ser mais fácil. É que vou regularmente ao Brasil, mas ainda não consegui ir a Moçambique!...

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  2. Amor, que POST lindo, amei a forma que você escreveu, mas amei mesmo o fato dessa experiência ter te enriquecido de várias formas. Aprender a dizer NÂO e sem dúvida nenhuma um grande aprendizado, e por ele, também digo: Obrigada Moçambique! EAVA!

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  3. Queridos Alexandre e Alessandra, não me envergonho em dizer que as lágrimas começaram a correr no meio do texto do Alexandre, com quem já tenho uma afinada, a mais do que o nome, obrigado pela companhia amigo, sempre foi sentida e confortante, quanto a cerveja, vou estar em Recife a sua espera, ou em qualquer lugar que nossas palavras nos levarem, mais uma vez muito obrigado pelas mensagens e trocas.

    Amor, esse crescimento é nosso, de todos nos. EAVAA.

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